Três, elas eram três.
Justina, Judite e Juliana.
As preferidas, as mais que tudo.
Martinha só tinha olhos para aquelas
três, mas havia mais – oh, se havia…
Claro está, todo aquele descarado
favorecimento dava azo a uma ciumeira sem fim. Afinal, o que é que aquelas três
teriam de tão especial, tão único, que as diferenciavam de todo o resto?
Mas isso era uma pergunta à qual
ninguém podia responder. Só Martinha o sabia e podia dizer. Mas ela fechava-se
em copas, por assim dizer.
Até parecia de propósito.
Sim, se calhar até era isso: se
calhar, Martinha até distinguia aquelas três de propósito, sabendo de antemão o
mau ambiente que isso iria causar.
Mas nem mesmo essa desconfiança,
aliada a uma forte probabilidade, aliviou a cada vez mais insistente
animosidade para com Justina, Judite e Juliana.
E a liderar toda essa revolta,
estava Ester.
Ela, mais que ninguém, não gostou da
súbita chegada de Justina, Judite e Juliana.
Ela, mais que ninguém, como que sentiu
bem no fundo de si, qual bofetada inesperada, a preferência com que Martinha
agraciava aquele trio.
E ela, mais que ninguém, sentiu-se
preterida. E ignorada. Pois até à chegada daquelas três, era ela, Ester, a
preferida. A mais que tudo.
Mas quem é aquele trio armado ao
pingarelho, pensava que era?
Ester sentia-se, acima de tudo,
injustiçada. E magoada. Mesmo muito magoada. E confusa, pois então. Teria ela
feito ou dito alguma coisa, que pudesse justificar aquela atitude de Martinha?
Para além de todo este imenso
turbilhão de sentimentos que assolava Ester, havia mais uma coisa, só uma
coisinha, na verdade uma palavra, que muito a afligia: e a palavra era essa
mesma: sentimentos.
Até então, Ester sempre se tinha
sentido imune a essa coisa para ela ainda desconhecida: na verdade, isso
incomodava-a valentemente: mas ela podia sentir?!...
Ester preferia não o fazer. Mas para
grande surpresa dela, não é que ela tivesse grande hipótese de escolha. Ester
sentia e pronto. Ponto final. Parágrafo.
Assustada. Ester não tinha quaisquer
problemas em admitir que estava assustada. Mais do que isso: Ester estava muito
assustada, aterrorizada mesmo.
Ela já tinha visto, em primeira mão,
o que ser capaz de sentir podia fazer: quantas e quantas vezes Martinha não
tinha já adormecido, a chorar, abraçada a ela?...
Era verdade que isso já não
acontecia. Não, agora só aquelas três, Justina, Judite e Juliana, pareciam
contar. Se bem que Ester nunca tivesse
visto Martinha adormecer abraçada a elas… Não, ao invés disso, eram só risinhos
idiotas.
Bah!... O que era isso, comparado
com o que ela, Ester, já tinha partilhado com Martinha? Ou melhor dizendo,
compartilhado?
Só ela e não Justina, Judite e
Juliana, tinha visto Martinha no seu melhor e no seu pior; só ela e não
Justina, Judite e Juliana, tinha sido cúmplice de Martinha nas horas boas e nas
horas más.
Portanto, bem vistas as coisas,
Ester não tinha motivos para ter ciúmes de Justina, Judite e Juliana. Pois ela, só ela e mais ninguém, podia
dizer, não sem indisfarçável orgulho, que Martinha a tinha escolhido para ombro
amigo.
Está bem, a escolha de Martinha
tinha mudado; já não era ela, Ester, mas sim aquelas três, Justina, Judite e
Juliana.
Mas isso não interessava.
Isso podia mudar.
Através dos seus olhos grandes violeta
profundo extremamente pestanudos, encimados por umas sobrancelhas perfeitamente
desenhadas numa carinha redonda bonita de plástico, na prateleira onde estava
colocada, Ester observava.
E esperava.
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