sábado, 30 de março de 2013

FACE..., o tanas!


(Qualquer coincidência com a semelhança, é mera realidade.)





            Vera não o queria, mas era mais forte que ela: estava zangada, mesmo zangada. Furiosa. E triste, muito triste. Também magoada.
            E tinha tomado uma decisão: ia deixar de ser boazinha.
            Ano novo, vida nova. Não era o que diziam?
            E aquele era um ano novo, pelo menos para ela.
            Era o aniversário de Vera e ela tinha decidido que dali para a frente as coisas iam mudar: a Vera compreensiva, boazinha e doce, tinha acabado. À conta disso, já tinha sido magoada e sofrido em silêncio vezes se conta. “Oh, a Vera vai perceber, ela é porreirinha…” Não, isso ia acabar. Se havia coisas que ela realmente percebia, também havia coisas que ela ia deixar de perceber e aceitar.
            Especialmente aquela.
            Aqueles que a conheciam bem sabiam que Vera dava a maior importância aos aniversários. E não era por causa das prendas. Não. Mas como explicar?... O aniversário era pessoal, chegado à pessoa. Um dia especial. E se Vera gostava de se lembrar das pessoas no dia delas, também adorava quando faziam isso com ela. Mas não era mesmo por causa das prendas: era pelas palavras, pelo simples facto de se terem lembrado dela. Vera sentia-se reconfortada. E feliz.
            Por causa dessa talvez mania, Vera tentava sempre saber os dias de aniversário daqueles que mais contavam para ela. Ela também se esquecia pois não era perfeita (longe, muito longe disso), mas, regra geral, Vera lembrava-se.
            E talvez fosse por isso aquela imensa tristeza, aquelas vagas violentas de desilusão que teimavam em atingi-la.
            Daqueles a quem Vera chamava amigos mesmo, tinham sido poucos a lembrarem-se do seu aniversário. E os que o tinham feito, tinha sido através da rede social FACEBOOK. Até aí, tudo bem. E coisa curiosa: tinham sido mais os amigos do FACEBOOK, a maioria dos quais Vera nunca tinha visto, a darem-lhe os parabéns, que os amigos mesmo.
            Mas o que a deixava mesmo fora de si, era a desculpa esfarrapada de que não tinham ido ao FACEBOOK nesse dia e por isso se tinham esquecido.
            Não foi que Vera pedisse explicações. Não. Mas algo foi mais forte que ela, quase uma impulsão. E no dia seguinte ao seu aniversário, não só escreveu uma mensagem a agradecer a quem se tinha lembrado, como também, quem não quer a coisa, a deixar uma mensagem provocatória a quem não se tinha lembrado.
            E de certa maneira, a mensagem mexeu com algumas consciências, pois foi quando tiveram a triste ideia de lhe contarem essa do FACEBOOK.
            Vera nem se deu ao trabalho de responder, mas, de certa maneira, sentiu a sua inteligência insultada: e então, quando ainda não havia FACEBOOK, como era?
            Ela devia ser uma espécie de bicho cada vez mais raro, daqueles mesmo à beira da extinção…
            Não que Vera tivesse alguma coisa contra Mark Zuckerberg, Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin, Chris Hughes e a sua invenção. Nada disso. Vera até apreciava muito o FACEBOOK.
            Mas…
            Uma coisa era certa: Vera, para além da tristeza, mágoa e desilusão, também se obrigou a encarar aquela situação como uma lição. De humildade. Pois ao sentir-se reduzida a toda a sua gloriosa insignificância, Vera viu-se obrigada a concluir que ela não importava para quem lhe importava. Pelo menos, não importava tanto.
            Vera já sabia que não era uma pessoa memorável. À custa de muitas lágrimas, já tinha sido forçada a chegar a essa conclusão.
            Tanto, que o seu sonho antigo já estava meio esquecido. Ou melhor, não estava esquecido: apenas muito bem arrumadinho no fundo de uma gaveta poeirenta.
            Vera tinha o sonho antigo de lhe organizarem uma festa-surpresa para o seu aniversário. Mas isso não ia acontecer. Nunca. E ela sabia-o.
           
            Até quando a fúria, a tristeza e a mágoa iam teimar em não deixar Vera, ela não sabia.
            Até mesmo aquela decisão de deixar de ser boazinha, Vera não sabia se a ia conseguir manter no futuro.

            Mas isso não importava.
            O que importava era como Vera se sentia agora.




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