(Qualquer
coincidência com a semelhança, é mera realidade.)
Vera não o queria, mas era mais
forte que ela: estava zangada, mesmo zangada. Furiosa. E triste, muito triste.
Também magoada.
E tinha tomado uma decisão: ia
deixar de ser boazinha.
Ano novo, vida nova. Não era o que
diziam?
E aquele era um ano novo, pelo menos
para ela.
Era o aniversário de Vera e ela
tinha decidido que dali para a frente as coisas iam mudar: a Vera compreensiva,
boazinha e doce, tinha acabado. À conta disso, já tinha sido magoada e sofrido
em silêncio vezes se conta. “Oh, a Vera
vai perceber, ela é porreirinha…” Não, isso ia acabar. Se havia coisas que
ela realmente percebia, também havia coisas que ela ia deixar de perceber e aceitar.
Especialmente aquela.
Aqueles que a conheciam bem sabiam
que Vera dava a maior importância aos aniversários. E não era por causa das
prendas. Não. Mas como explicar?... O aniversário era pessoal, chegado à
pessoa. Um dia especial. E se Vera gostava de se lembrar das pessoas no dia
delas, também adorava quando faziam isso com ela. Mas não era mesmo por causa
das prendas: era pelas palavras, pelo simples facto de se terem lembrado dela.
Vera sentia-se reconfortada. E feliz.
Por causa dessa talvez mania, Vera
tentava sempre saber os dias de aniversário daqueles que mais contavam para
ela. Ela também se esquecia pois não era perfeita (longe, muito longe disso),
mas, regra geral, Vera lembrava-se.
E talvez fosse por isso aquela
imensa tristeza, aquelas vagas violentas de desilusão que teimavam em
atingi-la.
Daqueles a quem Vera chamava amigos
mesmo, tinham sido poucos a lembrarem-se do seu aniversário. E os que o tinham
feito, tinha sido através da rede social FACEBOOK. Até aí, tudo bem. E coisa
curiosa: tinham sido mais os amigos do FACEBOOK, a maioria dos quais Vera nunca
tinha visto, a darem-lhe os parabéns, que os amigos mesmo.
Mas o que a deixava mesmo fora de
si, era a desculpa esfarrapada de que não tinham ido ao FACEBOOK nesse dia e
por isso se tinham esquecido.
Não foi que Vera pedisse explicações.
Não. Mas algo foi mais forte que ela, quase uma impulsão. E no dia seguinte ao
seu aniversário, não só escreveu uma mensagem a agradecer a quem se tinha
lembrado, como também, quem não quer a coisa, a deixar uma mensagem
provocatória a quem não se tinha lembrado.
E de certa maneira, a mensagem mexeu
com algumas consciências, pois foi quando tiveram a triste ideia de lhe
contarem essa do FACEBOOK.
Vera nem se deu ao trabalho de
responder, mas, de certa maneira, sentiu a sua inteligência insultada: e então,
quando ainda não havia FACEBOOK, como era?
Ela devia ser uma espécie de bicho
cada vez mais raro, daqueles mesmo à beira da extinção…
Não que Vera tivesse alguma coisa
contra Mark Zuckerberg, Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin, Chris Hughes e a sua
invenção. Nada disso. Vera até apreciava muito o FACEBOOK.
Mas…
Uma coisa era certa: Vera, para além
da tristeza, mágoa e desilusão, também se obrigou a encarar aquela situação
como uma lição. De humildade. Pois ao sentir-se reduzida a toda a sua gloriosa
insignificância, Vera viu-se obrigada a concluir que ela não importava para
quem lhe importava. Pelo menos, não importava tanto.
Vera já sabia que não era uma pessoa
memorável. À custa de muitas lágrimas, já tinha sido forçada a chegar a essa
conclusão.
Tanto, que o seu sonho antigo já
estava meio esquecido. Ou melhor, não estava esquecido: apenas muito bem
arrumadinho no fundo de uma gaveta poeirenta.
Vera tinha o sonho antigo de lhe
organizarem uma festa-surpresa para o seu aniversário. Mas isso não ia
acontecer. Nunca. E ela sabia-o.
Até quando a fúria, a tristeza e a
mágoa iam teimar em não deixar Vera, ela não sabia.
Até mesmo aquela decisão de deixar
de ser boazinha, Vera não sabia se a ia conseguir manter no futuro.
Mas isso não importava.
O que importava era como Vera se
sentia agora.
Sem comentários:
Enviar um comentário