Por favor, chama-me Jú.
Assim como em Júlia. Ou
Juliana.
Mas também Judite. E
Justina.
Simplesmente, Jú.
Não interessa donde vim.
Nem tão pouco para onde vou. Interessa sim, onde estou.
Moro com um casal. Não me
peçam nomes, que não são para aqui chamados.
Vivo com eles e para eles.
Sim, sim, não estou a
exagerar. Vivo para eles, para a felicidade deles.
Sou o que se pode chamar
de escrava.
Mas não escrava para o
trabalho, como é mais normal pensar. Nem tão pouco uma escrava sexual. Não, não
sou nenhuma das duas. Pelo menos, não exclusivamente.
Sou uma escrava… como
dizer?... do e para o prazer.
Porque é essa, digamos
assim, a minha ocupação (e já agora, o meu vício): proporcionar prazer, seja lá
de que maneira for.
Como é que eu cheguei aqui,
a fazer o que faço, tu perguntas.
E eu respondo-te: foram
eles que me encontraram. Mas também fui eu que os encontrei.
Foi numa noite escura (já
reparas-te em como estas coisas acontecem sempre à noite? Como se a luz do dia
fosse indigna de ver tais… Parece mesmo um tremendo cliché… Mas neste caso trata-se da mais pura das verdades.) que nos
encontrámos: eu tinha fugido das bebedeiras do meu pai e das cargas de porrada
da minha mãe, e estava perdida numa cidade que não era minha e completamente
esfomeada…
Eles olharam para mim e
acho que ficaram impressionados com a imagem de abandono e solidão que eu lhes,
de alguma forma, transmitia.
Convidaram-me para a casa
deles, onde haveria uma refeição quente à minha espera, assim como uma boa
noite de sono.
Apesar de não me
considerar ingénua (afinal, diariamente somos bombardeados com histórias
misteriosas de desaparecimentos…), a minha curiosidade e a perspectiva de
comida e dormida derrubaram por completo as minhas fracas muralhas de resistência.
Docilmente, agarrei a mão que me era estendida.
A casa deles, um
apartamento num prédio antigo, era espaçosa e confortável.
Não faltaram ao prometido:
foi-me realmente proporcionada uma refeição quente. Não foi nenhum banquete,
mas foi mais do que suficiente para saciar a minha fome e aconchegar o meu
estômago. Eles eram muito simpáticos: já não eram um casal jovem e não tinham
filhos. Se calhar, foi por isso que se apiedaram de mim, não sei…
Depois da refeição e de
uma amena cavaqueira, fui conduzida a um quarto: ali, poderia dormir descansada
e retemperar as minhas forças.
Não me importo de
confessar que não foi sem algum receio que finalmente me deixei vencer pelo
cansaço e pelo sono: o que me iria acontecer enquanto dormia? Será que iria acordar
ainda naquele quarto?
Não só acordei, como é
minha forte convicção que nada, absolutamente nada, me aconteceu durante a
noite. Os meus receios eram completamente infundados.
Bom, agora queres saber o
que aconteceu depois, não é assim?
Olha, o que queres que te
diga?...
Eles foram carinhos e
atenciosos quando eu mais precisava e eu fui ficando, ficando, ficando…
Mas não quero que fiques
com a ideia errada. Muito menos juízos sumários e arbitrários. A coisa nem
sempre foi fácil, nomeadamente ao princípio. Mas curiosamente foi sempre mais
difícil para eles, do que para mim: na grande maioria das vezes, para não dizer
sempre, fui eu que tive que tomar a iniciativa.
Mas nunca fui uma
prisioneira.
Hoje tenho bons amigos, um
curso superior e a vida que eu desejei para mim.
Vivo para eles, para a sua
felicidade e o seu prazer. E também o meu, não o vou negar.
Eles olharam para mim e
hoje sou eu que olho por eles. Mais do que olhar, vejo. E vivo.
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