quinta-feira, 22 de março de 2012


Por favor, chama-me Jú.
Assim como em Júlia. Ou Juliana.
Mas também Judite. E Justina.
Simplesmente, Jú.

Não interessa donde vim. Nem tão pouco para onde vou. Interessa sim, onde estou.

Moro com um casal. Não me peçam nomes, que não são para aqui chamados.
Vivo com eles e para eles.
Sim, sim, não estou a exagerar. Vivo para eles, para a felicidade deles.
Sou o que se pode chamar de escrava.
Mas não escrava para o trabalho, como é mais normal pensar. Nem tão pouco uma escrava sexual. Não, não sou nenhuma das duas. Pelo menos, não exclusivamente.
Sou uma escrava… como dizer?... do e para o prazer.
Porque é essa, digamos assim, a minha ocupação (e já agora, o meu vício): proporcionar prazer, seja lá de que maneira for.
Como é que eu cheguei aqui, a fazer o que faço, tu perguntas.
E eu respondo-te: foram eles que me encontraram. Mas também fui eu que os encontrei.
Foi numa noite escura (já reparas-te em como estas coisas acontecem sempre à noite? Como se a luz do dia fosse indigna de ver tais… Parece mesmo um tremendo cliché… Mas neste caso trata-se da mais pura das verdades.) que nos encontrámos: eu tinha fugido das bebedeiras do meu pai e das cargas de porrada da minha mãe, e estava perdida numa cidade que não era minha e completamente esfomeada…
Eles olharam para mim e acho que ficaram impressionados com a imagem de abandono e solidão que eu lhes, de alguma forma, transmitia.
Convidaram-me para a casa deles, onde haveria uma refeição quente à minha espera, assim como uma boa noite de sono.
Apesar de não me considerar ingénua (afinal, diariamente somos bombardeados com histórias misteriosas de desaparecimentos…), a minha curiosidade e a perspectiva de comida e dormida derrubaram por completo as minhas fracas muralhas de resistência. Docilmente, agarrei a mão que me era estendida.
A casa deles, um apartamento num prédio antigo, era espaçosa e confortável.
Não faltaram ao prometido: foi-me realmente proporcionada uma refeição quente. Não foi nenhum banquete, mas foi mais do que suficiente para saciar a minha fome e aconchegar o meu estômago. Eles eram muito simpáticos: já não eram um casal jovem e não tinham filhos. Se calhar, foi por isso que se apiedaram de mim, não sei…
Depois da refeição e de uma amena cavaqueira, fui conduzida a um quarto: ali, poderia dormir descansada e retemperar as minhas forças.
Não me importo de confessar que não foi sem algum receio que finalmente me deixei vencer pelo cansaço e pelo sono: o que me iria acontecer enquanto dormia? Será que iria acordar ainda naquele quarto?
Não só acordei, como é minha forte convicção que nada, absolutamente nada, me aconteceu durante a noite. Os meus receios eram completamente infundados.

Bom, agora queres saber o que aconteceu depois, não é assim?
Olha, o que queres que te diga?...

Eles foram carinhos e atenciosos quando eu mais precisava e eu fui ficando, ficando, ficando…

Mas não quero que fiques com a ideia errada. Muito menos juízos sumários e arbitrários. A coisa nem sempre foi fácil, nomeadamente ao princípio. Mas curiosamente foi sempre mais difícil para eles, do que para mim: na grande maioria das vezes, para não dizer sempre, fui eu que tive que tomar a iniciativa.
Mas nunca fui uma prisioneira.
Hoje tenho bons amigos, um curso superior e a vida que eu desejei para mim.
Vivo para eles, para a sua felicidade e o seu prazer. E também o meu, não o vou negar.
Eles olharam para mim e hoje sou eu que olho por eles. Mais do que olhar, vejo. E vivo.

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