Ele não tinha nome, ele
era… ele. Só e apenas. Vivia sozinho numa casa pequena, longe de todos, mas
perto de tudo. Podia não ter muitos amigos, mas tinha muitos conhecidos. E era
muito popular, muito requisitado para tudo e mais alguma coisa. Naquele dia, ele
abriu os olhos ainda no meio da escuridão: percebeu que se tinha estendido na
cama ainda com a roupa da véspera e assim, tal e qual, se tinha deixado
adormecer. Devia ter sido uma noitada e peras, uma autêntica festança, mas de
nada ele se recordava. Apenas sabia que a sua cabeça latejava e que todos os
ruídos, mesmo os mais surdos, lhe soavam como verdadeiros gritos. Lancinantes.
Apesar de a sua mete se assemelhar a uma folha em branco, pelo menos em relação
à noite passada, uma coisa ele sabia: aquele dia era Domingo. E não tinha que
se preocupar em ir trabalhar. Mas tinha que se preocupar com outra coisa: aquele
dia não era só Domingo, era também Dia do Senhor. Como tal, tinha um encontro
colectivo marcado na igreja: a celebração da Missa. Sim, era verdade: para além
de boémio militante, ele era também católico praticante. Assim, todos os
Domingos e dias santos, ele tinha um encontro marcado com o Senhor. Quer dizer,
todos os dias santos, não é bem assim. Todos os dias santos são todos os dias e
ele não era assim tão praticante. Não. O mais correcto seria dizer todos os
Domingos e Feriados Religiosos. Assim, sim. É mais correcto. Mas como era ainda
muito cedo, ele ainda ficou na cama a preguiçar: não se atreveu a adormecer,
pois podia deixar passar a hora… Quando ele começou a sentir a claridade do dia
a querer instalar-se no seu quarto, levantou-se e pensou que um valente duche
lhe faria bem. Enquanto fazia a barba, reparou nas olheiras carregadas que se
faziam notar. Vestiu-se com aprumo e cuidado. Tentou engolir uma espécie de
pequeno-almoço. Antes de sair para a rua, teve o cuidado de pôr os seus óculos escuros
de uma qualquer marca na moda, a fim de esconder as olheiras fundas. E foi.
Chegou à igreja ainda cedo para a Missa: faltava cerca de meia hora. Tanto
melhor, pois era assim que ele gostava: tinha tempo para falar com as pessoas e
pôr as cusquices em dia. Sim, porque essa ideia de que os homens não apreciavam
uma boa cusquice, era inteira, redonda e completamente falsa. Depois da Missa,
ele foi para casa. Engoliu qualquer coisa a fazer as vezes de almoço e como não
lhe apetecia fazer nadica de nada, não obstante o terem convidado para sair (“Anda
com a gente, vai ser giro”, “Não sei…”, “Anda lá”, “Acho que não”, “Vá lá, não
sejas desmancha-prazeres”, “Não, não posso. Fica para a semana. Olha, vão vocês”),
esparramou-se em frente à televisão e por ali ficou toda a tarde. Viu filmes
que já tinha visto e revisto, mas nem isso o fez sair daquela letargia. Para
quê? Não valia a pena. Amanhã seria outro dia e teria muito tempo para fazer o
que quer que fosse.
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