Espero que estejas
contente. E satisfeito.
Espero, mas espero mesmo,
que finalmente sintas orgulho em ti próprio. Do que tu fizeste.
Eu, por outro lado e como
decerto compreenderás, não estou absolutamente nada contente. Nem satisfeita.
Muito menos, orgulhosa.
Porque foste tu que me
mataste. Literalmente.
Queres acreditar que eu já
nem me lembro bem de como te conheci?...
Logo por aí, eu deveria
ter visto o que realmente significavas para mim. Só isso deveria ter funcionado
como um sinal.
Do que eu me lembro bem,
são das nossas discussões: nunca estávamos de acordo. Em coisa nenhuma. Era incrível:
se tu dizias dia, eu dizia noite, se tu dizias branco, eu dizia preto, e por aí
em diante. Até parecia que era de propósito. Mas não era: nós realmente não
conseguíamos estar de acordo. Mas eram umas discussões muito calmas, sem gritos
nem zangas. Ou assim eu pensava…
Quando começámos a
namorar, acho que não houve ninguém que ficasse convencido: não quero apostar
para não perder, mas quero cá acreditar que até chegaram a apostar sobre quanto
tempo iriamos ficar juntos.
Era-mos tão, mas tão
diferentes…
Quando te apresentei aos
meus pais, eles ficaram logo completamente rendidos. Tu, quando querias, sabias
ser extraordinariamente cativante. Aliás, tu passavas a vida a gabar-te de que
ainda estava para nascer uma pessoa a quem tu não soubesses dar a volta…
Já eu, não fui apresentada
aos teus pais. Não por não querer, mas antes por não poder. Eras órfão.
Tinhas 3 anos quando
perdeste os teus pais num acidente de viação e foste criado por duas tias-avós
solteironas. Sem irmãos, sem primos e sem amigos, tiveste uma infância
solitária.
Quando me levaste a
conhecer as tuas tias-avós, lembro-me de ter sentido um arrepio na espinha
quando entrei naquele casarão. O cheiro a bafio era intenso e o pó acumulado,
considerável. Quando finalmente conheci a tua família, quis virar costas e
fugir. Mas fugir mesmo, a sério. Invadiu-me a sensação de que elas te abafavam
e que seria esse o meu destino, se ali ficasse. Só me consegui conter porque
sabia que aquela era só uma visita.
Apesar de o nosso namoro
ir ficando mais forte e a nossa ligação mais profunda, de dia para dia, as
nossas discussões também cresciam proporcionalmente. Não só de regularidade,
como também de intensidade.
Até parecia que era esse o
pêndulo da nossa existência. O fim para os nossos meios.
Mas verdade seja dita:
nunca me bateste. Nem sequer tentaste fazer para isso. Nem nunca gritavas:
sequer levantavas a voz. As nossas discussões, embora intensas, eram assim a
modos que surdas-mudas…
Portanto, bem vistas as
coisas, ninguém no seu mais perfeito juízo, mas mesmo ninguém, podia, de alguma
maneira, ficar genuinamente surpreendido com o rumo dos acontecimentos.
Aconteceu e ninguém pode
dizer que não estava à espera. Muito menos eu.
Tínhamos acabado de ter
uma daquelas nossas discussões (lembraste do motivo?... É que eu, sinceramente,
já não…), mas, mesmo assim, decidimos ir ao cinema. Do filme também já não me
lembro bem, mas sei que era um policial. E estou em crer que foi esse o motivo
de mais uma discussão, que eu agora sei que seria a última.
Mas o que agora realmente
importa é que eu estou morta.
E foste tu que me mataste.
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