A saia da Carolina
tem um
lagarto pintado
Sim Carolina, ó-ai meu bem
Sim Carolina, ó-ai meu bem
Sim
Carolina, ó-i-ó-ai
Ela olhou sabe-se lá para onde, com um olhar
perdido, cantarolando a canção que a mãe lhe costumava cantar quando era ainda
criança pequena.
Aos anos que isso tinha sido… Tantos,
tantos…
Agora, já bem entrada na idade adulta, ela, sabe-se
lá porquê, teimava em lembrar-se desses dias passados, longínquos no tempo e no
espaço.
Nizinha, era assim que ela era chamada, Nizinha.
Belos, belos tempos...
“Nizinha!... Oh, Nizinha, anda cá!...”
Do alto dos seus 10 anos de idade, ela voltou-se
para ver quem chamava: era a Constança, a velha Constança, a antiga ama da mãe,
e actual ama dela e de seus irmãos, Gilberto, mais velho 3 anos, Raimundo, mais
velho 1 ano e 4 meses, e Paulina, mais nova 2 anos.
Era Verão, e toda a família estava de férias na
praia.
No Baleal, pois então, praia de sempre.
“Nizinha!... Anda cá já, estás a ouvir?”
Ela soprou, aborrecida.
“O que é que foi?”
“Anda cá pôr o chapéu, que o sol está quente, e tu
ainda te constipas.”
“Não.”
“O quê?!... Diz lá outra vez, que eu não ouvi
bem...”
“Não vou pôr chapéu nenhum. Não vou. Não, não e não.”
“Ai, vais, vais.”
“Não vou nada, já disse.”
“Ouve lá, ó menina, mas quem é que manda aqui?...
Põe lá o chapéu, se faz favor.”
“Não me apetece.”
“Maria Carolina...”
Não foi preciso dizer mais nada: quando a Constança
a chamava pelos dois primeiros nomes, e não pelo diminutivo, era porque a coisa
estava a ficar séria.
Apressou-se pois a ir pôr o tal chapéu.
“Vês, como ficas bonita?...”
“É... E agora, o que é que vou fazer?”
“Agora?!... Agora, olha, vai brincar com
os teus irmãos.”
Ela olhou para a velha ama de lado:
brincar com os irmãos?... É que nem pensar nisso era bom... O Gilberto e o
Raimundo estavam entretidos naquelas brincadeiras parvas de rapazes, e a
Paulina... Bom, a Paulina ainda era um bebé, e não se falava mais nisso.
“Vou brincar sozinha.”
“Está bem, mas não vás para longe.”
“Não vou.”
Ela começou a andar distraidamente pela
beira mar, a observar a rebentação suavemente agonizante das ondas.
Quase sem dar por isso, viu-se
relativamente longe da praia e dos banhistas, figuras pequenas, pouco maiores
que um dedal, na linha do horizonte.
Ao mesmo tempo, viu-se perto, muito
perto, das dunas.
E as palavras dos pais fizeram-se ouvir.
«Vê lá, tem cuidado. Nunca vás sozinha para as dunas, que é perigoso.»
Perigoso?... Porque seria?... A ela, as
dunas não pareciam nada perigosas: eram apenas grandes montes de areia,
cobertos por uma qualquer vegetação rasteira.
E decidiu ir. Às dunas.
Decidiu assim, num repente, sem mais nem
menos.
Sempre queria ver, com os seus próprios
olhos, o que é que as dunas tinham de tão perigoso.
Sem pensar duas vezes, embrenhou-se
naquele areal feito de altos e baixos, e não lhe viu nada de mais: era bonito,
sim, mas infelizmente, também um pouco sujo.
E, até onde a sua vista alcançava, não
via vivalma: apenas um imenso chão ondulado feito de areia e verde.
Depois de muito subir e descer, parou:
estava cansada, muito.
E também algo desiludida: tanta coisa
com as dunas, tantas advertências, e para quê?...
Sentou-se, e olhou em volta: tudo era
igual, calmo e sereno, sim, mas também violento e selvagem.
O vento estava a levantar-se, e para
evitar ser fustigada pela areia que teimava em atingi-la, procurou um ponto
mais abrigado.
E foi ali que lhe foi dado a observar
aquela dança insólita: a areia e o vento, a primeira a deixar-se conduzir pelo
segundo, ao som da música do mar.
Também embalada, adormeceu.
Quando acordou, aturdida, não sabia onde
estava. Mas logo se lembrou.
E ficou preocupada, pois com certeza os
pais já deviam ter dado pela falta dela, e então... Ai Jesus, havia de ser o
bom e o bonito...
Eis senão quando algo fez disparar os
seus sentidos.
Um som. Ou melhor, vários sons.
Curiosa, caminhou atrás.
Passou uma, duas dunas, e a fonte
daquilo estava já ali, logo a seguir àquela terceira duna.
Quando finalmente atingiu o cume, a
estupefacção tomou conta: estava à entrada de Peniche, junto da aldeia dos
pescadores. Era daí que vinham aqueles sons.
Riu de si para si, e decidiu voltar para
trás.
Foi no rasto da melodia das ondas, e
assim chegou à praia.
A partir daquele momento, não ia haver
problema: sabia perfeitamente chegar aos seus.
Olhou para a direita, e lá estava, a
praia do Baleal.
Sorriu, e pôs-se a caminho.
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