O
que seria que havia nela que o levava quase, quase a perder completamente a
cabeça?
Anacleto
não sabia, mas algo, alguma coisa naquela D. Quirina o tirava do sério.
E
por mais que ele se tentasse manter calmo e circunspecto (e ele tentava, oh, se
tentava…) sempre que ela aparecia no seu campo de visão, todos os esforços dele
se revelavam redondamente inúteis: Anacleto começava a corar, a gaguejar, com o
coração a querer saltar-lhe do peito e suores frios a causar-lhe arrepios.
Mas
quando a tinha visto pela primeira vez, até que D. Quirina não tinha mexido
assim com ele. Sim, era uma mulher bonita, vistosa, voluptuosa, mas também era
mais velha. E casada.
Portanto,
logo Anacleto tratou de manter as distâncias: sim, porque o respeitinho era
muito bonito. Bom dia, boa tarde, como está a senhora e bem muito obrigado.
Nada demais.
Mas
agora…
Ele
nem sequer podia ouvir falar da mulher: parecia que ficava logo a salivar. E
isso preocupava-o. E enojava-o.
Mas
que raio se passava com ele? E qual seria o raio do poder da mulher sobre ele?
Anacleto
chegou a considerar seriamente a hipótese de ir a uma bruxa, pois o que lhe
estava a acontecer não parecia deste mundo: seria mau-olhado? Ou seria que
alguém lhe tinha feito alguma coisa, alguma (como era mesmo o nome?) macumba ou
qualquer coisa parecida?
Ele
nem sabia dizer exactamente quando é que aquela coisa toda tinha começado. Só
sabia que aquela situação se estava a revelar deveras incómoda, quase
insuportável. Insustentável.
D.
Quirina era a esposa do Sr. Amável, patrão de Anacleto.
Ora,
ele não queria ter um daqueles ataques (que outra coisa poderia Anacleto chamar
ao que lhe acontecia?) à frente do patrão: não só se tornaria demasiado
embaraçoso, como tal quase que se poderia considerar irresponsável. Se bem que
involuntário. Mas sempre desrespeitoso. Tal não só punha o emprego de Anacleto
em risco – e de extinção –, como ainda havia o risco do Sr. Amável não fazer
jus ao nome dele: qual amabilidade, qual carapuça…
Mas
que a D. Quirina mexia com ele, ai isso mexia. E ela mexia com ele, oh!, se
mexia…
Até
os colegas de trabalho já notavam toda aquela situação, deveras constrangedora,
que envolvia o Anacleto e a mulher do patrão, D. Quirina. Quer dizer, mais o
Anacleto que a D. Quirina. Porque aos colegas parecia que nunca a senhora teve
alguma atitude menos correcta que pudesse ser, de alguma maneira, interpretada como
encorajamento para aquela atitude do Anacleto.
E
na verdade nunca a D. Quirina fez algo que pudesse ser considerado, por assim
dizer, menos próprio. Sempre se tinha limitado a cumprimentar e a ser simpática
com os empregados do marido.
“Paixão
assolapada”, era como os colegas descreviam o que quer que fosse que se apoderava
do Anacleto, sempre que o assunto era a D. Quirina.
Só
que ele não achava graça nenhuma a tudo aquilo, enquanto que os colegas
pareciam estar a achar um piadão a toda aquela história.
E
Anacleto vivia num estado de completo terror, constantemente: se o patrão dele,
o Sr. Amável, algum dia descobrisse… ou mesmo adivinhasse…
Mas
como travar, ultrapassar tudo aquilo que lhe estava a acontecer? Porque ele não
queria continuar assim… A sentir-se uma besta, uma autêntica besta: qualquer
coisa irracional possuída por algo… quase que maligno.
Bom,
a melhor coisa que ele podia fazer, aliás, a única coisa que ele podia fazer,
era esperar. Sim, porque tudo aquilo era passageiro, tinha que ser: uma espécie
de fascínio em andamento, que havia de se afastar.
Até
lá, Anacleto só podia esperar. E aguentar.
Sem comentários:
Enviar um comentário