segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Facas e alguidares


O que seria que havia nela que o levava quase, quase a perder completamente a cabeça?
Anacleto não sabia, mas algo, alguma coisa naquela D. Quirina o tirava do sério.
E por mais que ele se tentasse manter calmo e circunspecto (e ele tentava, oh, se tentava…) sempre que ela aparecia no seu campo de visão, todos os esforços dele se revelavam redondamente inúteis: Anacleto começava a corar, a gaguejar, com o coração a querer saltar-lhe do peito e suores frios a causar-lhe arrepios.
Mas quando a tinha visto pela primeira vez, até que D. Quirina não tinha mexido assim com ele. Sim, era uma mulher bonita, vistosa, voluptuosa, mas também era mais velha. E casada.
Portanto, logo Anacleto tratou de manter as distâncias: sim, porque o respeitinho era muito bonito. Bom dia, boa tarde, como está a senhora e bem muito obrigado. Nada demais.
Mas agora…
Ele nem sequer podia ouvir falar da mulher: parecia que ficava logo a salivar. E isso preocupava-o. E enojava-o.
Mas que raio se passava com ele? E qual seria o raio do poder da mulher sobre ele?
Anacleto chegou a considerar seriamente a hipótese de ir a uma bruxa, pois o que lhe estava a acontecer não parecia deste mundo: seria mau-olhado? Ou seria que alguém lhe tinha feito alguma coisa, alguma (como era mesmo o nome?) macumba ou qualquer coisa parecida?
Ele nem sabia dizer exactamente quando é que aquela coisa toda tinha começado. Só sabia que aquela situação se estava a revelar deveras incómoda, quase insuportável. Insustentável.
D. Quirina era a esposa do Sr. Amável, patrão de Anacleto.
Ora, ele não queria ter um daqueles ataques (que outra coisa poderia Anacleto chamar ao que lhe acontecia?) à frente do patrão: não só se tornaria demasiado embaraçoso, como tal quase que se poderia considerar irresponsável. Se bem que involuntário. Mas sempre desrespeitoso. Tal não só punha o emprego de Anacleto em risco – e de extinção –, como ainda havia o risco do Sr. Amável não fazer jus ao nome dele: qual amabilidade, qual carapuça…
Mas que a D. Quirina mexia com ele, ai isso mexia. E ela mexia com ele, oh!, se mexia…
Até os colegas de trabalho já notavam toda aquela situação, deveras constrangedora, que envolvia o Anacleto e a mulher do patrão, D. Quirina. Quer dizer, mais o Anacleto que a D. Quirina. Porque aos colegas parecia que nunca a senhora teve alguma atitude menos correcta que pudesse ser, de alguma maneira, interpretada como encorajamento para aquela atitude do Anacleto.
E na verdade nunca a D. Quirina fez algo que pudesse ser considerado, por assim dizer, menos próprio. Sempre se tinha limitado a cumprimentar e a ser simpática com os empregados do marido.
“Paixão assolapada”, era como os colegas descreviam o que quer que fosse que se apoderava do Anacleto, sempre que o assunto era a D. Quirina.
Só que ele não achava graça nenhuma a tudo aquilo, enquanto que os colegas pareciam estar a achar um piadão a toda aquela história.
E Anacleto vivia num estado de completo terror, constantemente: se o patrão dele, o Sr. Amável, algum dia descobrisse… ou mesmo adivinhasse…
Mas como travar, ultrapassar tudo aquilo que lhe estava a acontecer? Porque ele não queria continuar assim… A sentir-se uma besta, uma autêntica besta: qualquer coisa irracional possuída por algo… quase que maligno.
Bom, a melhor coisa que ele podia fazer, aliás, a única coisa que ele podia fazer, era esperar. Sim, porque tudo aquilo era passageiro, tinha que ser: uma espécie de fascínio em andamento, que havia de se afastar.
Até lá, Anacleto só podia esperar. E aguentar.
  

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