Etelvina, Vina como gostava de ser chamada, começava a ficar preocupada.
Já
não era a primeira vez que aquilo lhe acontecia – longe disso – e a coisa
sempre se resolvia por si própria, mas, mesmo assim... aquilo começava a
assustá-la.
E
seria só com ela, Vina, que aquilo acontecia? Ou também acontecia aos outros,
só que ninguém falava disso?
Vina
tinha-o conhecido num dia como os outros, numa ocasião qualquer.
Da
primeira vez que o viu, Vina mal reparou nele. Quer-se dizer, notou que ele era
educado, simpático, gentil, mas foi só.
Mas
isso era sempre o que acontecia.
Só
depois, é que Vina começou a vê-lo com
olhos de ver: ele era tão educado, tãão simpático, tããão gentil...
Nã,
nã, nã: nada disso, Vina já conhecia o caminho que se abria à sua frente, e
aquela era uma estrada que ela não queria, não podia, não ia seguir. De maneira
nenhuma, pois Vina já sabia aonde a mesma ia parar: lá, àquele sítio que ela
conhecia, onde já tinha estado, tinha saído, e onde não queria voltar.
Paixões
assolapadas... E platónicas, ainda por cima.
Mas
aquilo que mais assustava Vina, era outra coisa: ele era mais novo que ela para
aí uns dez anos, mais coisa menos coisa, e ela, que sempre se tinha tido na
conta de uma pessoa liberal para quem cada um só tinha que sentir bem consigo
próprio independentemente do que os outros diziam, que sempre pensou que a idade não tinha
importância alguma entre os casais desde que eles se sentissem bem, pois bem,
ela sempre tinha evitado interessar-se por homens mais novos. Na verdade, por
já mais que uma vez Vina tinha usado o subterfúgio da idade para enterrar bem
fundo algum interesse por alguém mais novo que ela. Se o homem fosse mais
velho, isso não a inibia, mas agora mais
novo... já era outra música.
Mas
desta vez era diferente.
Pela
primeira vez, Vina deu consigo a não ligar a mínima ao facto de ser mais velha.
E
isso assustava-a.
Quando
estavam juntos, por esta ou por aquela razão, por mais que uma vez Vina pensou
notar algum interesse especial da parte dele, mas logo a seguir obrigava-se a
dizer para consigo que ela estava a construir castelos no ar.
Mas
por mais que quisesse e tentasse – e ela tentava, a sério que tentava –, Vina
não o conseguia tirar da cabeça: mas que parvoíce, mal conhecia o rapaz e ele
ainda por cima era mais novo: com certeza que ele tinha outros interesses...
Sim, podia até ser, mas que diferença fazia ele ser mais novo?... E ele até
podia realmente gostar da companhia dela, não é verdade?... Pois, pois...
Ai
Vina, ai Vina... Acorda, mulher, acorda!
Com tanta rapariga nova e bonita por aí, ele vai mesmo interessar-se por ti,
está-se mesmo a ver: é a primeira bola a sair do saco. Oh, mulher, acorda! Abre
os olhos: histórias da carochinha só nos livros e, e...
É
isso mesmo, assim é que se fala: cabeça erguida, que isto vai passar: passa
sempre – mas desta vez estava a custar tanto...
II
Hugo
engraçou logo com o jeito desembaraçado dela.
Tinha-a
conhecido não importa como nem quando, e achou-lhe logo um piadão.
Ela
era mais velha, Hugo sabia-o, mas ele não podia precisar exactamente quantos
anos. Não podia, ou não queria... Para ele, isso era irrelevante: que importava
a idade?...
Hugo só sabia que
gostava da companhia daquela mulher: ela era divertida, inteligente, sabia
conversar, sabia ouvir.... E era bonita?... Sim, era: não no sentido clássico
do termo, mas sim, ela era muito bonita – mais do que ela alguma vez podia
imaginar. Podia parecer uma frase batida, mas a verdade é que a beleza dela
vinha de dentro: uma incrível força de agarrar a vida.
Hugo
já se tinha tentado aproximar dela, sempre que a ocasião se proporcionava e, se
por vezes ela parecia corresponder ao interesse dele, por outras parecia que
ela fugia: de quê, ele não sabia. Seria dele?... Será que ele, de alguma
maneira, a tinha assustado?... Não, não, ele tinha a certeza que não. Ou seria
ela?... Se calhar, era isso... Mas seria possível, uma mulher tão inteligente e
esclarecida ter tão pouca confiança em si, na sua qualidade de mulher?... Seria?...
Que
mulher tão estranha...
Que
mulher tão fascinante!
Às
vezes, nas situações mais diversas, Hugo dava por ele a pensar nela, a reviver
cada momento passado com ela, muito devagarinho, como um filme em câmara lenta,
saboreando cada um.
Hugo
quase que passou a desejar ardentemente estar sempre com ela, falar com ela: se
ela adivinhasse como era divertida, engraçada, ah, se ela apenas soubesse...
Mas
não: ela não lhe dava a mínima importância.
Sim,
ela era cortês, sim, ela era simpática, mas mais nada: chegava aí, parava.
E
se ao princípio Hugo chegou a colocar a hipótese de o problema estar nela, que
estava com medo de se interessar por ele, um homem mais novo, agora ele tinha
certeza: o problema estava nele.
Ela
não estava, muito pura e simplesmente, interessada nele.
Era
só isso, nada mais, nada menos.
Qual
medo, qual carapuça!...
E
também, sinceramente, quem o tinha mandado a ele, Hugo, ficar interessado
naquela mulher?...
É
claro que ela nunca ia olhar para ele: era tão dolorosamente óbvio: onde é que
aquela mulher ia arranjar motivos de interesse num rapazola como ele, um
puto?... Não ia!...
Agora
só havia uma coisa a fazer: tirá-la da cabeça.
E isso Hugo ia conseguir,
custasse o que custasse.
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