Do alto dos seus 6 anos de
idade (na verdade, 6 anos, 3 meses e 14 dias), Carlota permitiu-se um
sentimento de compaixão para com o irmão mais novo, Bernardo.
Estava sentada à mesa, já
tinha almoçado e agora observava o afã da mãe, enquanto tentava que Bernardo,
muito bem sentadinho na sua cadeira, comesse a sopa.
“Vá lá, Bernardo” a mãe
dizia “abre a boquinha para o avião aterrar. Aqui vai ele” e logo a mãe imitava
o barulho de um motor e fazia os mais variados movimentos com a colher, tendo
sempre o cuidado de não a entornar.
Mas a boca de Bernardo
teimava em ficar fechada.
“Bernardo” dizia a mãe,
com infinita paciência “Vá, abre a boquinha. Olha que o aviãozinho quer entrar
para descansar”.
Mas nada parecia resultar.
Bernardo simplesmente não abria a boca.
“Oh filho” exclamava a mãe
“assim não pode ser. Vá, vá lá, abre lá essa boquinha linda para a mamã ver…”
Mas não, nem mesmo assim.
Carlota, ao assistir
àquela cena toda, compadeceu-se mesmo do irmão. Ele podia ser uma autêntica
peste, mas Carlota bem sabia que aquela colher não trazia nada de… bom. Nunca
tinha trazido.
Aproveitando uma pausa da
mãe, Carlota foi célere: foi à gaveta onde estavam os talheres e tirou de lá
uma colher muito especial.
Rapidamente chegou perto
do irmão e, com um ar solene, disse-lhe: “Bernardo, estás a ver esta colher? É
mágica. Com esta colher podes comer todas as sopas, que todas te vão saber ao
que tu quiseres: a batatas fritas, a mousse de chocolate… Ao que tu quiseres,
percebes?... Agora, lembra-te: é segredo, o nosso segredo. Não podes dizer
nada. Prometes?...”
Bernardo só conseguiu olhar
para a irmã, muito sério.
“Chiu” continuou Carlota “A
mãe vem aí. Agora, lembra-te do nosso segredo”
Carlota só teve tempo de
trocar as colheres e de se ir sentar no seu lugar.
“Pronto, meu querido” a
mãe começou “já cá estou. Pronto para o aviãozinho? Cá vai ele… Agora, só tens
que abrir essa boquinha linda…”
Carlota ficou na
expectativa, à medida que a colher se ia aproximando da boca de Bernardo. Iria
ele abrir a boca? Será que ele a tinha percebido?
A boca abriu.
A colher entrou.
A mãe ficou muito feliz. “Meu
querido. Muitos parabéns. Esta sopa é muito boa, não é?”
Mas Carlota sabia a
verdade.
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