quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Quem brinca com o fogo...


Claudina estava furiosa, positivamente furiosa. Ou negativamente, pois a vontade dela era torcer o pescoço de Floriano, assim como se faz às galinhas.
Já era a terceira vez que ele repetia a gracinha.
Por mais respeito que Claudina tivesse pela actividade de Floriano – e ela tinha, muito mesmo –, aquilo era algo que qualquer noivo que se prezasse nunca que nunca se atreveria a fazer à sua futura esposa.
Deixá-la em pleno altar… Sim, sim, em pleno altar.
Até parecia de propósito… Estavam já todos na igreja e só faltava dizer o “sim”, quando aquela maldita sirene tocava… Era tiro e queda, nunca falhava…
E ele lá ia, todo lampeiro e sem se atrapalhar, pois como ele dizia, uma vez bombeiro, sempre bombeiro…
É claro que ele não tinha problemas alguns em abandonar a cerimónia do casamento, pois então, como é que ele podia?... Não era ele que tinha que ali ficar a pedir desculpa a todos pelo sucedido. Era ela.
E agora iam casar outra vez, ou melhor, tentar casar.
Seria desta?...
Este era o pensamento predominante de todos aqueles que iriam, uma vez mais, à celebração.
Sim, pois no mais íntimo de si, bem lá no fundo, Claudina sabia que as pessoas já não faziam questão de ir ao casamento dela com Floriano para lhes desejar felicidades, não, isso tinha acontecido na primeira vez, quando muito, também na segunda. Não, agora as pessoas iam movidas pela curiosidade: seria desta que eles casavam?... E a sirene, ficaria muda e queda?...
Parva era ela em aceitar, em consentir toda aquela situação – ridícula, pois então… Se fosse outra, Claudina não duvidava, já tinha mandado o noivo às malvas. E aí ela queria ver, como é que o Floriano se arranjava… Sim, porque ela tinha a certeza: ele só fazia o que fazia porque sabia que ela primeiro barafustava, ralhava, mas no fim aceitava.
Até as empregadas da loja de vestidos de noiva já se divertiam, à grande e à francesa, com a situação: pela frente eram todas salamaleques (pudera, aquilo para elas era um maná), mas por trás, Claudina sabia, eram só risadas de troça.
Aquela situação podia facilmente ser evitada: bastava levar sempre o mesmo vestido: afinal, ele nunca tinha servido o seu propósito final: o casamento. Claudina e Floriano nunca tinham casado. Mas não. Ora não se dizia que dava azar o noivo ver o vestido da noiva antes do casamento?... Pois bem, Claudina não ia correr também esse risco.
Em frente ao espelho, na prova final do vestido de noiva – o quarto que ela ia usar para entrar dentro da igreja –, no meio de muitos elogios e bajulações, subitamente Claudina teve uma ideia. E sorriu. Porque era desta que ia casar. Definitivamente.


*


Na véspera do seu casamento, Floriano estava em casa, muito bem instalado a ler o jornal, quando, nas páginas centrais, se deparou com este anúncio:

A TODOS OS QUE POSSAM TER ALGUM
INTERESSE PELA FELICIDADE ALHEIA

Solicita-se da forma mais encarecida que,
no dia de amanhã, não provoquem
qualquer acção passível da intervenção
dos Soldados da Paz, por motivo de
contracção de matrimónio de um
elemento dos já citados

Certos da melhor compreensão, desde já
apresentamos os nossos mais sentidos
agradecimentos

                                               A noiva, a família,
                                               os amigos e todos os
                                               restantes convidados

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