Por falar em ideias e manias, lembro-me de uma rapariga, a
Eva, que tinha uma, no mínimo curiosa: figos. Eva adorava figos. Mas o mais
engraçado era que a Eva nunca tinha provado figos, nunca na vida. No entanto,
dizia que os adorava.
Todos os dias, ao passar por aquela
figueira, semi–tapada por aquele muro, Eva ficava parada a olhar para a copa
frondosa, a adivinhar a forma do fruto, a sentir-lhe o gosto… Quando dava por
si, já se babava e lambia por todos os cantos.
E quando Eva estava com as amigas,
punha-se sempre a falar da sua perdição, os figos.
“Ó pá, vocês nem imaginam” e dizia
“aquilo é muito bom”
“Verdade?” e as amigas nunca tinham
provado figos.
“Verdade” e assentava com a cabeça
“Melhor que chocolate”
Ena, melhor que chocolate? E arregalavam
muito os olhos – melhor que chocolate… mas
o que é que podia ser melhor que chocolate?
“E então” e continuavam “como é que o
figo é? É grande, pequeno?”
“Oh” e os olhos de Eva brilhavam “É
grande, deste tamanho” e fazia um grande círculo com os braços.
“Grande?” e uma das amigas, a Célia,
estranhava.
E Célia já tinha visto fotografias de
figos nas TeleCulinárias da mãe e não pareciam assim tão grandes.
“Tens a certeza?” e Célia insistia “Olha
que nas fotografias não parecem muito grandes”
“Isso é nas fotografias” e Eva
desdenhava.
“Hum, não sei” e Célia não parecia muito
convencida.
“Estás a chamar-me mentirosa?” e Eva
zangava-se.
“Se calhar, estou” e Célia respondia.
E brigavam. E rebolavam no chão. E
bofetadas. E puxões de cabelo.
E as outras assistiam.
“Eva Maria”
“Célia Cristina”
E as mães chamavam.
E elas iam.
E a briga acabava. E a coisa ficava por
ali.
Mas Eva cada vez pensava mais em figos e
na sua adoração por eles, apesar de nunca os ter visto mais gordos. Ela sabia
lá como eram e como sabiam – no entanto, Eva gostava de figos, e pronto!
Vai daí, numa das muitas vezes em que
passava pela tal figueira, viu o portão aberto e não pensou duas vezes: correu
para o portão. Olhou para a direita, olhou para a esquerda, ninguém à vista.
Óptimo!
A figueira estava lá, rainha no seu
reino.
Eva tocou no tronco da figueira e uma
coisa esquisita correu-lhe pela espinha abaixo.
Cruz credo: Eva ficou assustada. Até
parecia que a árvore estava viva e queria-lhe falar…
Olhou para cima: xi, que coisa tão alta.
E agora?
Alguma coisa se havia de arranjar.
Eva viu umas pendurezas pequenas verdes
nos ramos. Então aquilo é que eram figos?
Afinal, a Célia sempre tinha razão – os
figos realmente eram pequenos.
Bom, isso agora não interessava –
interessava sim, fazer os figos chegar cá abaixo.
Mas como? Como?
Eva olhou à sua volta, e teve uma ideia.
Agarrou em várias pedras, e foi um ver se te avias, a atirá-las até cair algum
figo. Só que tal não era nada fácil, muito antes pelo contrário: mas mesmo
certo não caía nenhum?… Aquilo é que era uma pontaria…
Bolas, que já não era sem tempo!… Até
que enfim: caiu um figo.
Eva correu a apanhá-lo: peganhento…
“Hei, menina” um trabalhador da quinta
“O que é que está aí a fazer?”
Eva não respondeu: ficou tão assustada
que não disse nada, não foi capaz.
“Ó menina, estou a falar consigo”
continuou o homem “Então não querem lá ver que a cachopa é surda”
Eva, ao ver o homem aproximar-se,
virou-se e pernas para que vos quero – parecia o diabo a fugir da cruz…
Quando viu que já estava bem longe,
parou.
Depois de recuperar algum do fôlego,
elevou a mão direita e abriu-a lentamente, uma flor a abrir. No meio, o figo.
E agora?
Eva não fazia a mínima ideia de como
comer um figo.
Mas isso não a atrapalhou: levou-o à
boca, e pronto, mordeu-o…
Hã, o quê?
Ah, querem saber se a Eva gostou do
figo, é isso?
Mas vocês acreditam que eu me esqueci de
lhe perguntar?
Pois é, não sei.
Mas olhem, façamos o seguinte: da
próxima vez que eu a ver, pergunto-lhe e depois digo, está bem assim? Pode ser?
Pode?
Ainda bem.
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